A ansiedade, um fenômeno central no campo da psicanálise, assume uma dimensão particular no contexto das crianças autistas. Marcadas por uma sensibilidade exacerbada ao ambiente e uma necessidade intensa de rotina, essas crianças frequentemente vivenciam situações de mudança como ameaças, desencadeando respostas ansiosas significativas. Este artigo tem como objetivo explorar, sob a perspectiva psicanalítica, as causas da ansiedade em crianças autistas, os mecanismos que essas crianças utilizam para se autorregularem, e as reações extremas conhecidas como meltdown e shutdown. Além disso, abordaremos o conceito de ansiedade persecutória, proposto por Melanie Klein, e sua aplicabilidade no contexto do autismo.
Freud (1926) postulou que a ansiedade serve como um sinal de alerta do ego frente a perigos internos ou externos, com raízes nas primeiras experiências de desamparo. Em crianças autistas, a estruturação do ego é marcada por peculiaridades que podem amplificar a experiência ansiosa. A hipersensibilidade sensorial, comum no espectro autista, faz com que essas crianças percebam o ambiente como caótico, o que pode desencadear uma ansiedade intensa.
Kanner (1943) descreveu o autismo como uma condição caracterizada por uma extrema necessidade de manter a mesmice. Qualquer alteração na rotina pode ser vivenciada como um trauma, desestabilizando a criança e provocando uma resposta ansiosa. Para Winnicott (1960), a ausência de um ambiente suficientemente acolhedor pode exacerbar essa ansiedade, uma vez que a criança não consegue prever e entender as intenções dos outros, resultando em uma constante sensação de insegurança.
Melanie Klein (1946) introduziu o conceito de ansiedade persecutória, caracterizada pela sensação de estar sendo ameaçado por forças externas, muitas vezes projetadas a partir de impulsos agressivos internos. Em crianças autistas, essa forma de ansiedade pode se manifestar através de comportamentos evitativos e uma hiper-vigilância, na tentativa de lidar com ameaças percebidas mas não compreendidas.
A regulação da ansiedade em crianças autistas envolve tanto intervenções terapêuticas quanto estratégias naturais de autorregulação. Comportamentos repetitivos, ou stimming, são comuns e funcionam como mecanismos de autoapaziguamento para controlar a sobrecarga sensorial. O uso de objetos de conforto e a criação de rotinas rígidas também proporcionam uma sensação de estabilidade e segurança.
Dentro desse contexto, os fenômenos de meltdown e shutdown representam respostas extremas à sobrecarga emocional ou sensorial. Um meltdown é caracterizado por uma explosão emocional, enquanto um shutdown envolve uma retirada completa do ambiente, como uma forma de proteção. Lacan (1977) destaca que a ansiedade pode ser exacerbada pela dificuldade em decifrar as demandas sociais e emocionais dos outros, um problema recorrente em crianças autistas.
Prevenir e manejar esses episódios requer a criação de um ambiente previsível e seguro. Conforme Rutter (1972), é essencial planejar transições e comunicar mudanças de forma clara e antecipada, utilizando suportes visuais para ajudar a criança a entender e se preparar para novas situações. Ensinar técnicas de autorregulação, como a respiração controlada, também pode ser uma ferramenta eficaz para lidar com a ansiedade.
Neste artigo, exploramos como a ansiedade se manifesta em crianças autistas a partir de uma perspectiva psicanalítica, abordando suas causas, mecanismos de autorregulação, e reações extremas como meltdown e shutdown. A ansiedade persecutória, conforme discutido por Melanie Klein, revelou-se um conceito relevante na compreensão das angústias enfrentadas por essas crianças. A criação de um ambiente seguro e previsível é fundamental para minimizar a ansiedade e promover o bem-estar das crianças autistas. No próximo capítulo, aprofundaremos a relação entre trauma e desenvolvimento psíquico em crianças dentro do espectro autista.
Referências:
FREUD, S. Inibições, sintomas e ansiedade. 1926.
KANNER, L. Autistic Disturbances of Affective Contact. Nervous Child, v. 2, n. 3, p. 217-250, 1943.
WINNICOTT, D. W. A mãe suficientemente boa. In: O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artmed, 1960.
KLEIN, M. Notas sobre alguns mecanismos esquizoides. 1946.
VOLKMAR, F. R.; WIESNER, L. Intervention strategies for children with autism and other pervasive developmental disorders. Journal of Autism and Developmental Disorders, v. 34, n. 1, p. 169-176, 2004.
LACAN, J. O Seminário, Livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1977.
RUTTER, M. Maternal Deprivation Reassessed. Middlesex: Penguin Books, 1972.