Introdução
A Análise do Comportamento Aplicada (ABA) é amplamente reconhecida por sua eficácia no tratamento de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A prática de ABA envolve a utilização de princípios comportamentais, como o reforço positivo, para ensinar novas habilidades e reduzir comportamentos desafiadores. A construção de vínculos positivos entre o terapeuta e a criança, conhecida como “pairing”, é um dos primeiros passos fundamentais na implementação da ABA. Este artigo, , apresenta um guia prático para a realização de sessões de treinamento com crianças autistas, focando na construção de vínculos e na avaliação de preferências de estímulo.
Desenvolvimento
Construção de Vínculos (Pairing)
A construção de vínculos, ou “pairing”, é um processo essencial na ABA, onde o terapeuta estabelece uma relação positiva com a criança para aumentar a motivação e a cooperação durante as sessões. O objetivo é associar a presença do terapeuta a experiências agradáveis e reforçadoras para a criança. Este processo começa com a identificação dos reforçadores, que podem incluir brinquedos preferidos, lanches, atividades sensoriais, música ou vídeos.
Para iniciar o pairing, é fundamental realizar uma avaliação dos interesses da criança, observando suas interações com diferentes itens e atividades. Após identificar os reforçadores, o terapeuta deve criar um ambiente confortável e livre de distrações, onde a criança possa acessar facilmente os itens preferidos. Durante as sessões de pairing, o terapeuta deve oferecer os itens à criança sem exigir qualquer comportamento específico, participando das atividades de maneira divertida e não demandante. Esse processo ajuda a criança a associar o terapeuta a experiências positivas, estabelecendo uma base sólida para as intervenções subsequentes (Cooper, Heron & Heward, 2007).
Avaliação de Preferências de Estímulo
A avaliação de preferências de estímulo é uma técnica utilizada para identificar os itens ou atividades que a criança prefere, e que, portanto, podem ser utilizados como reforçadores eficazes durante as sessões de treinamento. Existem várias metodologias para realizar essa avaliação, incluindo a avaliação de único estímulo, avaliação de operante livre e avaliação de estímulo pareado.
Na avaliação de único estímulo, cada item é apresentado individualmente à criança, que pode interagir com ele por um período de tempo definido. A aceitação ou rejeição do item é observada, e o tempo de interação é registrado. Já na avaliação de operante livre, múltiplos itens são dispostos ao mesmo tempo, permitindo que a criança escolha livremente com quais interagir. O tempo gasto com cada item é então registrado para identificar as preferências. A avaliação de estímulo pareado, por sua vez, envolve a apresentação de dois itens simultaneamente, solicitando que a criança escolha um deles. Essa metodologia ajuda a estabelecer uma hierarquia de preferências, que pode ser utilizada para maximizar a eficácia dos reforços durante a intervenção (Bailey & Burch, 2016).
Aplicação Prática do Pairing e Avaliação de Preferências
Uma vez estabelecido o vínculo e identificadas as preferências da criança, é possível iniciar a introdução de demandas simples e gradualmente aumentar a complexidade das tarefas. Por exemplo, após construir um vínculo positivo com uma criança através do uso de blocos de montar como reforçador, o terapeuta pode solicitar que a criança entregue um bloco ou aponte para uma cor específica. Cada resposta correta deve ser imediatamente reforçada com um dos itens preferidos. À medida que a criança se torna mais cooperativa e engajada, as demandas podem ser progressivamente incrementadas em complexidade, sempre mantendo a consistência no uso dos reforçadores e o tom positivo durante as interações.
Exemplos Práticos de Sessões
Para ilustrar a aplicação das técnicas discutidas, considere o seguinte exemplo de uma sessão de pairing:
- Preparação: O terapeuta separa os brinquedos preferidos da criança, como blocos de montar, e cria um ambiente livre de distrações.
- Interação Inicial: Sem exigir qualquer comportamento, o terapeuta oferece os blocos à criança e participa da atividade de construção sem fazer demandas.
- Uso de Reforçadores: Durante a brincadeira, o terapeuta elogia a criança e oferece sorrisos como reforço para qualquer interação positiva.
- Introdução de Demandas: Após estabelecer um vínculo, o terapeuta pode começar a introduzir demandas simples, como “me dê um bloco” ou “aponte para o vermelho”.
- Reforço Imediato: Cada resposta correta é reforçada com mais blocos ou um lanche preferido, incentivando a repetição do comportamento desejado.
A avaliação de preferências pode ser realizada em sessões subsequentes para identificar quais itens são mais eficazes como reforçadores. Por exemplo, o terapeuta pode utilizar a avaliação de operante livre, apresentando múltiplos brinquedos e observando quais são escolhidos e por quanto tempo a criança interage com cada um. Esses dados são então usados para ajustar as futuras sessões de intervenção, garantindo que os reforçadores sejam altamente motivadores para a criança (Fisher et al., 1992).
Desafios e Considerações
Embora o pairing e a avaliação de preferências sejam técnicas poderosas na ABA, sua aplicação prática pode apresentar desafios. Um dos principais desafios é garantir que os reforçadores escolhidos permaneçam motivadores ao longo do tempo. Crianças autistas podem perder interesse rapidamente em certos itens, exigindo que o terapeuta reavalie e adapte os reforçadores regularmente. Outro desafio é a necessidade de personalização e flexibilidade; o que funciona para uma criança pode não ser eficaz para outra, tornando a observação contínua e a adaptação fundamentais para o sucesso da intervenção (Cooper et al., 2007).
Conclusão
A aplicação de técnicas de pairing e avaliação de preferências de estímulo na Análise do Comportamento Aplicada (ABA) é essencial para o sucesso do treinamento de habilidades em crianças autistas. Esses processos ajudam a estabelecer uma base sólida para intervenções eficazes, aumentando a motivação e a cooperação da criança. Com uma abordagem personalizada e baseada em evidências, os profissionais podem promover o desenvolvimento de habilidades essenciais, melhorando a qualidade de vida das crianças autistas.
Referências
- BAILEY, Jon S.; BURCH, Mary R. Ethics for Behavior Analysts. 3ª ed. New York: Routledge, 2016.
- COOPER, John O.; HERON, Timothy E.; HEWARD, William L. Applied Behavior Analysis. 2ª ed. Upper Saddle River: Pearson, 2007.
- FISHER, W. W.; PIAZZA, C. C.; BOWMAN, L. G.; HAGOPIAN, L. P.; OWENS, J. C.; SAULNIER, C. A. A comparison of two approaches for identifying reinforcers for persons with severe and profound disabilities. Journal of Applied Behavior Analysis, 25, 491–498, 1992.